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Indígena conquista direito de registrar pai socioafetivo com apoio da Justiça Itinerante de Rondônia
História de Gustavo Simão Kaxarari e Genildo Kaxarari mostra importância do acesso à Justiça em comunidades remotas
A história do indígena que conquistou, por meio de uma ação da Justiça Itinerante de Rondônia, o direito de incluir o nome do pai socioafetivo na certidão de nascimento, colocou em destaque a importância do reconhecimento de vínculos além do biológico e a necessidade de garantir acesso ao sistema judicial.
Nela, o protagonista é Gustavo Simão Kaxarari, de 22 anos. Ele divide a cena com Genildo Kaxarari, homem que se tornou pai por socioafetividade do jovem quando se casou com a mãe dele. Desde então, a família buscou o reconhecimento da filiação entre pai e filho.
Para isso, os dois teriam que ajuizar uma ação judicial. No entanto, a distância entre a comunidade onde moravam e a capital Porto Velho – cerca de 500 quilômetros –, dificultava o acesso ao Judiciário.
“Onde morávamos, não havia estrutura nem suporte para fazer isso. Só conseguiríamos com a ajuda de um advogado para intermediar a situação, mas ele cobraria pelo serviço, e lá só temos advogados particulares, não públicos. O processo seria muito mais demorado", explica Gustavo.
Reconhecimento
Essa perspectiva mudou em outubro de 2024, quando a ação “Justiça Rápida Itinerante”, do Tribunal de Justiça de Rondônia – TJRO, chegou ao distrito de Extrema, em Porto Velho. A iniciativa proporciona a todas as pessoas, independentemente da localização geográfica, acesso ao sistema judicial.
Gustavo e Gildo aproveitaram a chance e concretizaram um desejo que compartilhavam há muito tempo: serem formalmente reconhecidos como pai e filho.
“Por conta própria, não conseguiríamos devido à falta de informação, dificuldade de acesso e questões financeiras. A Justiça Itinerante chegou para mudar isso: ao intermediar, ela resolveu o que buscamos regulamentar por anos", afirma Gustavo.
Para o jovem, a inclusão do nome na certidão é o reconhecimento de uma trajetória de vida marcada por ensinamentos e cuidados de Genildo, além de reforçar a continuidade cultural da etnia Kaxarari.
“Incluir o nome dele na minha certidão, depois de tantos anos, é uma forma de agradecer por tudo o que ele fez por mim”, afirma. E acrescenta: "Significa muito para mim e para os meus futuros filhos carregar o nome do meu pai socioafetivo. Ele cuidou de mim, me protegeu e me ensinou tudo o que sei hoje sobre floresta, convivência e cultura”, comenta.
Impacto
O advogado Ricardo Calderón, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, observa que o caso exemplifica o princípio da afetividade no Direito das Famílias, e em especial no que diz respeito ao impacto da socioafetividade na filiação.
“Considerando uma relação fraterna e filial socioafetiva que perdura há mais de dez anos, na qual há um interesse consensual de todos os envolvidos no reconhecimento e registro dessa paternidade, é possível observar que a deliberação do TJRO realiza uma retificação significativa. A decisão atende à demanda das partes, promovendo Justiça ao caso concreto, fundamentada, sobretudo, na afetividade", afirma.
O especialista argumenta que as relações familiares contemporâneas são permeadas por afetos, por isso é “fundamental que o Direito das Famílias acolha a socioafetividade para atender, de maneira adequada, às demandas de filiação que surgem em diversos contextos, inclusive em comunidades indígenas”.
"Essa realidade fica evidente em decisões recentes, que refletem a importância de reconhecer e valorizar os laços socioafetivos na construção da família contemporânea”, aponta.
Ricardo Calderón destaca a manifestação de vontade do pretenso pai, que no caso concreto reconheceu a relação e a intenção de que o vínculo fosse formalmente reconhecido. “Esse aspecto tem ganhado cada vez mais relevância na jurisprudência e deve ser especialmente considerado nos pleitos de reconhecimento de filiações socioafetivas", afirma.
Acesso
O caso de Gustavo Simão Kaxarari e Genildo Kaxarari evidencia a importância da Justiça Itinerante, que leva diversos serviços do Poder Judiciário à população dos municípios que não são sede de comarca, em especial às comunidades desprovidas de condições financeiras e físicas para o deslocamento até a sede do Judiciário local.
O serviço foi tema da 73ª edição da Revista Informativa do IBDFAM, exclusiva para associados do IBDFAM. A publicação destaca o trabalho desenvolvido pelos tribunais a fim de assegurar a efetividade de suas funções.
Os especialistas entrevistados mostram que questões comuns da seara familiar, como casamento, divórcio, reconhecimento de paternidade e definição de guarda, também fazem parte da Justiça Itinerante.
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Por Guilherme Gomes
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